💌 Carta VII – O Silêncio das Palavras

Minha querida Mariana,


Hoje escrevo-te com um peso no peito, desses que não vêm do corpo, mas das palavras que se perdem.
Dizem que o Plano Nacional de Leitura, aquele que durante quase vinte anos ajudou tantas crianças e jovens a descobrir o prazer dos livros, está a desaparecer — silenciosamente, como quem apaga uma luz sem perceber o escuro que vem a seguir.

Recordo-me, Mariana, de quando as carrinhas da Gulbenkian chegavam às aldeias.
Eram veículos mágicos que traziam mundos inteiros dentro de si.
Nasciam sorrisos, abriam-se janelas, e muitos de nós aprendíamos que havia vida para lá do horizonte.
Aquelas carrinhas foram a escola dos sonhos para quem não tinha biblioteca, nem internet, nem tempo para mais do que o trabalho e o campo.
E agora, tantos anos depois, sinto que o país volta a estacionar — desta vez, sem carrinhas, sem livros, e, pior ainda, sem vontade.

O Plano Nacional de Leitura foi criado em 2006 para resolver uma ferida antiga: os baixos níveis de literacia, a dificuldade de ler e compreender, o afastamento entre os jovens e a palavra escrita.
E conseguiu tanto, Mariana…
Fez nascer clubes de leitura, dinamizou escolas, uniu professores, famílias e bibliotecas em torno de um propósito comum: devolver à leitura o seu lugar de afeto e de poder.

Mas agora, esse plano que ensinava a ler, a pensar e a sonhar, foi absorvido por um “mega-instituto” onde a cultura se confunde com a burocracia, e onde restam apenas três pessoas de uma equipa que, outrora, levava o país inteiro dentro das suas páginas.
Três pessoas para um sonho nacional — como três velas a tentar iluminar uma biblioteca inteira.

E, no entanto, Mariana, os números continuam a gritar: quatro em cada dez portugueses só conseguem compreender textos curtos e simples.
Quarenta por cento de um país que lê, mas não entende — que escreve, mas não comunica — que fala, mas não escuta.
Como pode um governo olhar para isto e ainda achar que a leitura é luxo, e não urgência?

Eu, que tantas vezes esperei a carrinha mágica da Gulbenkian, pergunto-me que país é este que desliga o motor do conhecimento.
Que país é este que deixa morrer o Plano Nacional de Leitura enquanto se queixa da falta de espírito crítico, da apatia cívica e da desinformação?

Mariana, se ainda pudesses escrever as tuas cartas, talvez dissesses o mesmo que eu: que a verdadeira pobreza não é a falta de pão, mas a falta de palavra.
E quando um país deixa de investir na leitura, começa a deixar de acreditar em si.

Por isso escrevo-te — não apenas por nostalgia, mas por resistência.
Porque há batalhas que se travam com espadas, e outras com penas.
E enquanto houver alguém que escreva, haverá sempre esperança de recomeçar.

Com tristeza, mas também com fé no poder da palavra,
O Cavaleiro das Planícies

Comentários