Carta XIV – O Despertar Amargo das Planícies
Minha querida Mariana,
Hoje Beja acordou mais cedo do que o Sol.
A cidade abriu os olhos com um sobressalto — daqueles que não vêm do vento nem do canto longínquo das cegonhas, mas do rumor pesado das notícias que atravessam portas, cafés e consciências.
Acordámos com a presença das autoridades, com sirenes contidas, com os passos firmes de quem vem cumprir justiça.
Acordámos perante a revelação de que uma rede criminosa se servia da fragilidade alheia, explorando trabalhadores estrangeiros, muitos deles trazidos à força para uma vida que não escolheram.
Acordámos, Mariana, com a dor de saber que esta mácula tocava até aqueles que juraram proteger.
Foram detidos 10 militares da GNR, um agente da PSP e seis civis, todos suspeitos de colaborarem com um esquema que se alimentava da pobreza e do medo.
Segundo a PJ, tratava-se de uma organização de estilo quase mafioso, que controlava centenas de trabalhadores indostânicos, muitos deles explorados, coagidos, ameaçados.
E um dos epicentros desta teia — disseram — era aqui perto, na Cabeça Gorda, onde tantas vezes caminhei contigo em pensamento, nesses trilhos imaginados onde a planície parecia feita só de serenidade.
Mas a verdade, Mariana, é que até a planície mais calma pode esconder tempestades.
Hoje senti a cidade num misto de tristeza e alívio.
Tristeza pela sombra lançada sobre o nosso território.
Alívio porque a justiça, ainda que tarde, bateu à porta certa.
Não podemos — não devemos — calar o que aqui se passou.
O Alentejo, tantas vezes terra de acolhimento e trabalho honrado, não merece ser palco de crimes que ferem a dignidade humana.
E aqueles que, sendo agentes do Estado, escolheram desviar-se do seu dever, terão agora de responder perante a lei.
Mas no meio desta desordem, quero dizer-te algo que me mantém firme:
uma terra que enfrenta as suas feridas é uma terra que quer sarar.
Hoje Beja despertou de forma amarga, sim.
Mas acordou — e isso, Mariana, é sempre o primeiro passo para mudar o que está errado.
Com o olhar firme sobre o horizonte e o coração pesado,
O Cavaleiro das Planícies

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Desafio-te a começar assim:
“Minha querida Mariana…”